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tectetetec tetec tec tec tectetectetectetetec tetetetetetetetetetec. Tec…
Tec… Tec tec tectetetectetec tec tetec tec. Tec
tetectetectetetecetetetetetetetectetec – MERDA! Merda, merda, merda! Não era
nada disso! Nada disso!
O
estampido seco, forte e bruto na mesa não foi tão alto, mas foi tão agressivo
que quase acordou Carmem. Esfregara os olhos e com dificuldade e cenho franzido
observava Luka ter outro ataque ao interromper sua obra com falta de atenção,
sono e inspiração, para logo então voltar a se perder no transe de seu torpor
de sonhos.
Não
fumava, mal bebia e ainda assim pegara um copo limpo porém empoeirado para
encher de Bourbon e acompanhar seu Lucky Strike. Infelizmente Luka passara
tempo demais com Dmitri e agora tornara-se uma cópia barata sua, ainda que com
talento indiscutivelmente superior ao original.
Pousou
o cigarro em sua boca para dar longas tragadas e passeou os dedos de sua mão
esquerda testa acima, penteando seus – aos poucos rareando – cabelos negros e
lisos, para então coçar um par de vezes sua nuca, dar a Carmem um olhar de
testa franzida e sorriso de canto de boca daqueles de amor calculado,
planejado, quase verdadeiro quase falso, que não diz nada demais, mas não diz
nada de errado, só existe por existir num canto de quarto ao lado do abajur.
Por amar esse amor de conhaque numa manhã chuvosa de sábado, decide sair sem
avisar, sair sem querer, sair sem voltar talvez, talvez voltar, talvez, talvez
outro dia quando ela não estiver mais lá. Talvez não devesse ter levado os
cigarros.
Um
vulto subia as escadas que levavam ao andar de cima, mas não era um vulto tão
importante. Nesse momento, só o lance de escadas que levava ao andar inferior e
o que levava do andar inferior ao abaixo deste e assim por diante realmente
importavam a Luka. O papel de parede floral velho e feio e desbotado não
importava, a iluminação precária nos corredores e lances de escadas – ausente
no lance de escadas entre o segundo e o primeiro andares – também não. De pouco
em pouco Luka aproximava-se ao lado de fora do prédio. De frente à porta
principal do edicífio – de ferro, com adornos dourados – Luka prontamente
segurou a maçaneta, mas como que sentisse o que o esperava lá fora, como que
esperasse o que o sentia lá fora, demorou a girá-la. Mas enfim girou-a.
Um
vento frio e seco cortou-o como um tablete de manteiga. Excitante para Luka.
Gostava disso. Era não muito mais cedo que três da manhã e o céu era negro e
limpo, sem estrelas, sem luar, sujo pelo brilho branco dos vários belos postes
que iluminavam essa rua, boa rua bem habitada, com paralelepípedos no lugar de
asfaltos, com árvores no lugar de pessoas, com solitude no lugar de solidão. O
uísque caminhou Luka até uma ponte não muito longe e a fumaça de seus cigarros
poderiam ser confundidas com a fumaça de sua respiração. Não via muito sentido
no que fazia, nem no que vivia, nem no que escrevia, nem nas noites com Carmem,
nem nas noites ou dias que passava sozinho mesmo bem acompanhado.
Um
último trago e com um toco de cigarro entre indicador e médio esquerdos olhou
para o farol ao longe. Jogou não tão longe o toco de cigarro e riu, olhando com
um olho esquerdo apertado e um olho direito fechado, seus polegar e indicador
esquerdos agora espremendo a luz do farol. Sorriu como que satisfeito com seu
trabalho bem feito. Jogou na água o copo vazio de sua mão direita e subiu no
parapeito da ponte. A sensação era indescritível, toda a liberdade e toda a
autonomia que o momento conferia. Toda a vida que ele finalmente sentia em seu
corpo, em suas mãos, em seus dedos enquanto se esvaía, enquanto jorrava e
pulsava e pulava por ele. Mas seu corpo não ia. Não pulava, não ia.
Desceu
do parapeito e acendeu outro cigarro e decidiu voltar para casa. Lembrou-se que
não era possível se matar enquanto há uma obra-prima arruinada não amassada
ainda presa a sua máquina de escrever.
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