terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O jazz amarelo de sábado pela manhã


Era a quarta noite sem dormir. O som do trem azul pela madrugada não o ajudava mais a descansar os olhos. Tateou os óculos na mesinha ao lado de sua cama, derrubando uma boa pilha de livros velhos já relidos e iluminando sem querer seu abajur que acende com um toque. Era uma noite quente, bem quente e a Radial Oeste é bem quente, essa tal Zona Norte carioca é uma travessa de metal esquecida num fogão aceso. Dmitri era um pouco de haxixe aceso sobre uma colher. Fumaça fugaz que em fuga se desfaz em graça.
Era quarta à noite e, sem dormir, o som do trem das oito não o deixava pensar direito. A noite de sexta seria grande e Dmitri deveria estar praticando ao piano, mas está segurando um cigarro já pela metade, já pela metade de si, meia idade, quase fim. Olhos vermelhos de sono de quase cinco dias e mãos trêmulas de quase cinquenta anos precediam uma manhã de quinta e Dmitri continuava sentado de frente para o piano de pouco em pouco decorado por mais e mais garrafas vazias.
Santa Teresa costumava cobrar qualidade de seus músicos e aquele não era um pianista à altura. Talvez a sombra de alguém que fora tão bom quanto arrogante e agora pague por isso. Talvez assombre-o saber disso e ele soube desde a chegada dos quarenta e desde que agora ele tenha passado a ser mais um a compor um quarteto de uma nova estrela jovem de futuro promissor – geralmente saxofonista ou trompetista e essa vez não fugiria à regra – que viria a lotar uma casa de shows escura e avermelhada mal iluminada por uma luz amarela a deixar o ambiente como que aparentemente engordurado – escolha minuciosa do tipo de lugar a ser montado, aconchegante aos que querem fugir do grande povo e unir-se à cena hype do fenômeno underground das pseudo-pessoas pseudo-cult que rodeiam as poucas pessoas que apreciam, de fato, a cultura. Algumas pouquíssimas pessoas estavam indo a esse show para ver Dmitri. Treze, apenas. Treze em Teresa.
Sexta mal chegara e Dmitri mal dormira e poucos tons variaram em seu piano, pouco fora praticado e o improviso já não seria mais tão confiável, infelizmente, porém, obrigatório ao longo do show. Tomou um bom banho e vestiu-se como bem gostava com uma bela camisa laranja de linho, uma calça de gabardine bege, seus antes belos agora velhos sapatos iate café de camurça. Poucos tons variaram em sua roupa. Estaria apresentável, caso pudesse controlar o odor de álcool que exalava por seus poros – álcool de cinco dias. Foram cinco dias de álcool. Fora uma longa subida até a casa de show, uma longa subida era Santa Teresa. A caminhada do camarim ao palco era longa para uma gente no meio de tanta gente e Dmitri, infelizmente, não era mais nenhum gigante para não se incomodar e ainda assim o teto era baixo demais. Como sempre começava Lá e caia em Si. Sempre facilitava.
Sábado, quase sete da manhã na Lapa, o dia amanhecia feliz com Dmitri redescobrindo-se enorme, como em toda manhã após um show. Se ainda fosse possível lembrar-se disso às três da tarde...

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