sexta-feira, 2 de maio de 2014

Catarina e os maços de coração

                A dois cigarros de finalmente entender o que havia dado de errado entre Catarina e ele, decidiu parar de fumar. A vida de dúvidas era mais fácil e enquanto fumava a morte tornava-se mais certa. Bebeu mais um gole de uísque e pôs-se a ruborizar.
                Dois dedos de sua mão direita massageavam sua têmpora e sua mão esquerda levava o copo. Mais poucos passos e atravessaria o corredor estreito e longo de carpete vermelho com detalhes de dourado, aparador de madeira com abajur de madeira escura e luz quente, quadro de avó que nunca conhecera e portas de quarto que nunca abrira. Mais alguns poucos passos e chegaria à poltrona na qual pegaria no sono até a manhã seguinte, quando seria acompanhado por dores de cabeça, velhas amigas.
                Chegara ao sofá café de couro e decidira pausar por lá. Catarina nunca fora complicada, pensara. Não fora complexa, não dava trabalho, entendia meus erros, conhecia meus vícios e perdoava meus pecados. Foi perfeita, Catarina. Foi, não deixou de ser mesmo ao me abandonar.
                O silêncio era a casa. Todo o resto rugia e quebrava como ondas, como revolta, como mar. Dmitri era fã de touradas e morria por elas. Sempre soube que nem todas as noites eram do toureiro. Torcia pelas noites do touro. Agora que a noite chegou, não sabia se poderia aguentá-la.
                Com esforço arrastou-se pelo sofá até chegar a seu braço, derramando goles pelo tapete azul cruzou o caminho entre o sofá e a poltrona engatinhando, protegendo-se dos perigos que zuniam na zona de guerra que era o campo de memórias que nutria no cômodo.
                Mais uma vez bêbado. Era um bêbado, Dmitri. Catarina soube e Dmitri soube disso. Agora sentado na poltrona café de couro, bebeu o resto de seu uísque e descansou o copo ao chão, quebrando-o com a queda. Alcançou um cigarro de seu maço e acendeu-o. Estava a um cigarro de entender o que havia de errado com ele.
                E adormeceu. O cigarro se desfazia entre seus dedos até queimá-los, acordando-o. Bêbado, tomou a decisão que nunca fora capaz de tomar enquanto sóbrio. Morto, tomou a decisão que não tomara enquanto vivo.
                Tirou o maço de cigarros do bolso da camisa para dar mais espaço ao coração.
                E morreu.

                Até a manhã seguinte, quando viveu ao acordar. Viveu o luto de sua própria morte até morrer novamente na noite seguinte. E assim tem feito desde que Catarina se foi.