sábado, 29 de outubro de 2011

A gente toma iniciativa...

... viola na rua a cantar, mas eis que chega a roda-viva e...

http://www.youtube.com/watch?v=ue2IxSEvu-M

sábado, 22 de outubro de 2011

Atravessando

Sinais Vermelhos em Versos Brancos

Hoje eu quis tanto te encontrar, lembrei dos outros dias – outrora irrelevantes, e agora tão distantes – só posso sentir saudades.

Amanheci tão cinza, o céu estava tão nublado e o sol tão tímido e tão distante

Como você, como você está tão longe. Não está perdida, está?

Hoje os ponteiros do relógio quiseram me ajudar, como sinais vermelhos fora do ar.

Ontem à noite eu dormi com você no olhar, no olhar.

sábado, 15 de outubro de 2011

Alfa e...

Ômega

- Eu não vou conhecer o amor – disse Leo, com seu rosto triste, olhando a multidão de rostos igualmente tristes a sua volta, sombrios e enegrecidos pelo desamparo e pela má iluminação.

Leo não era tão bonito, mas era bem apessoado com uma altura razoável, nem gordo, nem magro, uma barba opulenta e cabelo sempre bem penteado. Era uma alma carente, sem dúvidas, e isso poderia era fácil de notar, visto que tão cedo já pensava em se assentar. Era um ótimo tipo com quem se mantém uma amizade, mas não fazia o tipo das mulheres, dado que não era tão forte, não era tão estúpido, respeitava e ligava demais para seus sentimentos e gostava demais das artes – não era um homem de verdade para a maioria delas. Invejava a capacidade dos outros de lidar com o outro sexo quase tanto quanto invejava aqueles que ficariam vivos depois do “juízo final”.

Dmitri o observava com pena. Nem tanta pena, assim, mas já era alguma coisa para Dmitri. Não lamentava por nada, não pensava em muita coisa, tentava apenas segurar sua onda – “a vida já é difícil sem crises de pânico”, costumava pensar. Falava muito, falava demais às vezes, e levava consigo inúmeros vícios – Dmitri e Leo não eram, afinal, tão diferentes, mas Dmitri disfarçava sua carência com seus vícios, enquanto Leo, supostamente evoluído, encarava-a.

A multidão corria, se atropelava, era uma manada de antílopes na savana africana e ainda assim parecia apenas crescer, mesmo com a debandada. Ninguém enxergava nada, apenas vultos todos tão parecidos, todos vestidos de roupas inteiramente brancas que destoavam tanto num ambiente tão escuro – pouco se sabia sobre ele, pouco se via dele, apenas paredes, teto e chão rubros, como que cobertos de carne, sangrentos e ensopados e a cada toque soavam como poças e ao debandar da manada soava como uma chuva torrencial. Dmitri queria um cigarro, mas o ambiente era tão fechado, tão pequeno que mesmo ele sentia-se desconfortável demais para fumar lá dentro.

- Eu não vou conhecer a amizade – e era verdade: cada pedaço de vida era individualista naquele pequeno ovo em que se amontoavam. A ansiedade impressa em rostos iguais poderia facilmente se fazer passar por uma obra perturbadora de Warhol e, em especial, o rosto desolado de Eduardo era cativante.

“Ninguém chega a conhecer a amizade, amigo”, respondeu Dmitri. Eduardo era gordo. Muito gordo, muito feio, muitas vezes ridicularizado e desde sua primeira lembrança de existência fora rejeitado pelos outros. Era uma pessoa dura, começou a se defender cedo demais, revidar cedo demais e o gosto amargo da exclusão logo foi ofuscado pelo azedo da solitude – evitando a rejeição, rejeitou o mundo, rejeitou os outros, rejeitou cada um e não mais seria dada outra chance a ele para viver em sociedade. Eduardo podia fingir que não, mas isso importava – E MUITO – para ele. “A amizade carrega consigo um anagrama para “azeda”, companheiro”, completou Dmitri, que também rejeitava o mundo para evitar ser rejeitado e nisso eles eram iguais, exceto pela escolha de Dmitri ser mais covarde: o mundo jamais houvera rejeitado-o e fora ele a dar o primeiro jab.

Uma cena comovente e inesperada descrevia, desesperada, o momento: parte da multidão agora se abraçava e chorava junto e se despedia. Parte da multidão que não se conhecia e sentia pena de si e disfarçava fingindo sentir pena uns dos outros. Todos de joelhos, como uma comunhão, como um dia comum, como um domingo, como um pedido de graças – porém, ledo engano: não eram graças, porém perdão; não um domingo, não havia dia, não havia tempo; não era comum, era o apocalipse; não uma comunhão, mas o jejum que antecede o abate no matadouro – e todos davam as mãos.

- Eu não vou conhecer a verdade – e de todos os desesperados, talvez fosse ele a conhecê-la melhor. Os secos e suaves toques se perdiam nos segundos que marcavam, no chão, no meio de tantos passos corridos e naquele momento, não fosse o mesmo sentido que o abandonou, seria impossível notar sua bengala branca e consigo sua cegueira. Xavier não sabia o quão próximo da verdade realmente estava. Tinha a barba mais rente dentre as demais do recinto – o toque era, dos sentidos, seu preferido. Era perfeccionista e mantinha impecáveis aparência, caráter, destreza física e mental. Nenhum vinco mal feito em suas calças jamais passara por ele despercebido.

“Se ver a verdade fosse tão fácil, não haveria alcoólatras, viciados em boletas e o resto dos perdedores”, pensou Dmitri. Não havia – sinceramente, nunca houve – em Dmitri algum tipo de restrição moral que estreitasse um laço terno com a verdade. Não tinha nada contra a verdade, nem era de mentir para tomar vantagem em cima de alguém, tampouco se permitia que um conceito tão superficial pudesse trazer-lhe qualquer desvantagem, portanto mentira sempre que conveniente. A verdade, a propósito, era conhecida por Dmitri – não havia motivos para envergonhar-se, pois cada um daqueles que tanto soluçavam choros esperava com ele por um milagre, pois nenhuma alma presente era santa, pois eram todos iguais, pois – salvo poucas vidas evoluídas como aquela desprovida de visão – a sobrevivência falava mais alto, sempre falou mais alto e esse instinto agora está pedindo as contas de seus pecados.

- Eu não vou conhecer a mim mesmo – disseram em uníssono Davi e Jônatas. Gêmeos, porém completamente opostos – como o clichê sugere –, não eram tão amigos. Sempre tomados pelo outro, eram sombras de si mesmos, sombra de rostos idênticos e personalidades conflitantes. Extremamente belos, adotavam aparência igual, pois nenhum dos dois seria capaz de ceder ao outro algo tão seu quanto sua imagem para conseguir ser individual.

“Não é tão fácil quanto o espelho faz a gente pensar que é” e Dmitri sabia disso. Mal olhava seu reflexo no espelho – não tinha coragem para isso. Embriagado, era possível. Tudo era possível. O quão distante uma pessoa pode ser de seu reflexo? Davi e Jônatas, ambos, aparentavam ser pessoas completamente distintas do que realmente eram – distintas das outras, distantes de si, distraídas pela vida, como o resto do mundo. Stevenson recorreu a descrever e dissertar sobre o unheimlich em seu mais famoso conto e Davi e Jônatas talvez fossem uma pobre alegoria antitética para Jekyll e Hyde – que dividiam um corpo sem dividir aparências, em detrimento aos gêmeos que dividiam uma aparência sem dividir corpos. Ambas as duplas de personalidades fadadas a responder pelo seu duplo, obrigadas a carregarem consigo estigmas de ações das quais não queriam fazer parte. Dmitri sentia isso, sentia o peso sobre seus ombros – sabia que sob o efeito da bebida era outra pessoa, completamente diferente, e que responderia por isso a cada manhã que girasse por cima de sua nuca enquanto levantava-se de uma cama encharcada de suor.

A multidão parava, finalmente. Talvez estivesse cansada de tanto dar voltas e voltas desesperadas e estivesse finalmente aceitando que aquele era o fim – davam passos curtos, quase homogêneos entre eles: uma marcha ao fim. Inferno, ou céu, não havia mais medo, só desolação, só desilusão. Gemidos contínuos podiam ser ouvidos cada vez mais altos, cada vez mais freqüentes e cada vez mais. Entre o burburinho, entre tantas pessoas andava uma última – destacava-se por ser uma das últimas a mostrar seu rosto, uma das últimas a andar de cabeça erguida, uma das últimas a continuar respirando como sempre respirou – ofegante, mas naturalmente. Um velho conhecido de Dmitri, Luka, vinha se aproximando.

- Acho que não vou conhecer meus irmãos, meu velho.

Dmitri não sabia o que dizer, pela primeira vez desde que o pânico havia começado. Era uma idéia difícil de aceitar, essa de morrer antes mesmo de nascer. A masturbação mataria cada um deles, um a um, um de cada vez, uma jorrada contínua. Mais alguns segundos e não haveria mais Leo, Eduardo, Xavier, Davi, Jônatas, Luka, ou Dmitri, ou qualquer um dos tantos milhões de rostos parecidos e carentes de tudo o que jamais conheceriam. Ao passo que gemidos tornavam-se suspiros opacos,a multidão começava dispersar-se, sem escolha – o saco estava começando a esvaziar e nada ajudaria – parecia irrelevante, agora, conhecer o amor, ou a amizade, ou a verdade, até mesmo conhecer a si próprio, ou a seus irmãos. E quando quase todos haviam sido expulsos das bolas, Dmitri encontrou suas palavras, agora suaves.

- É, acho que não. Quem sabe nos encontremos em outra vida, Luka...

E agora só restava o fim.