- Eu bebi uma cerveja com ele. – Disse Carmem,
cobrindo-se. – Mas foi só uma cerveja. Juro.
- E
daí? – Respondeu Luka, acendendo seu cigarro. Era um cigarro compreensível,
aquele depois da transa. Ainda assim, Luka agora fumava muito mais do que já
fumou ao longo de sua vida.
- E
daí nada. Achei que você fosse querer saber. Eu iria querer.
-
Por que gostaria de saber? O que há de especial nisso? Houve algo de especial
nisso?
-
Primeiro que eu não gostaria de saber: iria querer saber, mas a muito
contragosto e até bem relutante, mas iria querer, sim. Segundo que você sabe o
que Dmitri quer de mim e suponho que não esteja confortável com isso.
-
Por que não estaria? Todo homem tem o direito de achar o que quiser, querer o
que quiser. Ele está no direito dele em querer ter você e somos amigos.
Respeito isso dele e sei que não é pessoal. Se você me trair com ele, a culpa será
toda tua. Só tua.
-
Mas como assim? – Disse Carmem, cobrindo-se mais, além dos ombros, expondo
apenas o rosto de pescoço coberto, os cabelo longos ruivos e macios e os dedos
que seguravam o lençol.
-
Mas como assim que você está comigo. Você. Só você. Não é ele que está e se
algo acontecer, terá sido falha tua. – E então Luka bateu as cinzas de seu
cigarro no cinzeiro da cabeceira da cama, espreguiçando-se logo em seguida –
Mas isso não importa, você não faria nada disso, faria?
-
Não faria...
-
Não?
-
Não, não faria... Não faria.
-
Tudo bem. Não faria. Sei que não faria. Me passa outro Lucky?
-
Claro. – pegando o maço e dando a Luka – Mas, Luka, me fala o que você foi
fazer na quinta passada. Acordei no meio da noite sem você, uma folha queimada
em cima da mesa, uma rasgada, presa na máquina de escrev...
- Olivetti.
Chama-se Olivetti. O-L-I-V...
- Tá
bem, tá bem. Uma folha rasgada presa à Olivetti, uma garrafa de uísque vazia ao
chão, enfim, você longe. Você longe, o sofá vazio, minha cama vazia, minhas
pernas vazias, meus braços vazios, tão frios, estava frio, tão frio e você
deixou a janela aberta. Levantei para fechar a janela e pensei ter visto você
equilibrado no parapeito da ponte dos mendigos, mas é loucura minha, não é? Vc
não tem motivos pra pular, claro.
-
Claro. Loucura sua. Se eu tivesse pulado, não estaríamos conversando sobre você
pensar ter me visto pulando de algum lugar.
-
Ai, Luka! Luka, eu fiquei tão preocupada! Nem dormi até você voltar! Bêbado,
fedendo a Bourbon e a cigarros, mas vivo e em casa e comigo! Não sei onde
estive com a cabeça ao pensar... Aliás, não, não pensei em nada. Vem comigo, me
abraça. Me abraça e pela manhã você escreve sobre mim, sobre o quarto creme de
luzes fracas amareladas e lençóis de cetim branco, sobre a cama circular, sobre
meu beijo, sobre mim... Sobre nós dois.
-
Carmem – Luka estava atônito com o turbilhão que fora sua garota neste momento
e em quanto ela deveria amá-lo para exibir uma paixão torrencial desta forma –,
mas é claro que eu escreveria sobre nossa noite. Essa obra eu vou chamar de
Gripe, pra fazer jus à gripe que peguei na quinta-feira.