sábado, 30 de junho de 2012

Boneca de pano


                Dmitri esfregou os olhos, conforme o sono tomava-o. Bocejou e esfregou os olhos novamente. Escrever diante da tela de um notebook é completamente diferente de escrever diante de uma Ollivetti – perde-se a magia, perde-se o encanto, no entanto não havia escolha: sua tinta acabara.
                Mão esquerda à testa, mão direita à boca, aparando o cigarro que queria chorar. Aos poucos a mão esquerda deslizava por sua cabeça raspada até chegar à nuca, a qual acariciava com seu polegar. Pousou o cigarro no cinzeiro, o óculos na cama, esfregou os olhos novamente e tomou um trago de conhaque com soda e riu ao ver em si um pouco de Hemingway e em quão deprimente era o fato desta semelhança fugir a seus textos. Esfregou sua boca e sua barba por fazer, colocando seus óculos novamente.
                Página em branco.
                Levantou-se. Um passeio pela casa faria bem, ele pensou,  um passeio pela casa poderia ser o que eu preciso, mas ele não havia pensado no cheiro dela, no brilho impresso que seus olhos azuis haviam deixado na sala, na sombra que ainda fazia escurecer a varanda a meia-luz, nas curvas que marcavam seu lugar no sofá. Teria feito bem a algum outro escritor, mas Dmitri era dor. Era pura dor. E dor não se remedia com lembranças, mas instiga-se com passados não digeridos, não perdoados.
                Olhos ao teto, mãos passeando pelo rosto, até a nuca, até os ombros, olhos ao teto procurando algo de novo, algum esconderijo para a mente, para a solidão, para as memórias, para a torrente de tudo o que invadia o seu momento de luto, seu momento de luta contra a dor, contra si mesmo. Andou até a varanda, até a sacada e acendeu outro cigarro. Sentou ao sofá e viu algo novo nele: vazio.
Emília fazia falta.
Muita falta.
Andou de volta ao quarto para bater as cinzas do cigarro no cinzeiro perdido em sua cama. Ligou seu som e nele havia um pouco de Henderson e isso não o ajudava a sorrir. Pensou em chorar, mas não era de seu feitio mentir.
Página em branco – havia o que fazer?
Talvez fosse isso a incomodá-lo – seu amor com Emília fora reduzido a páginas em branco. Olhos doloridos, pulmões negros e mãos duras – tudo o que restou?

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