segunda-feira, 16 de julho de 2012

(Ensaio sobre) Cinza(s)


Ventava tanto. Muita gente abrigava-se naquela passarela aberta, no segundo piso. Carros passavam, logo abaixo, para-brisas trabalhavam lentos, debris se formavam ao centro da paisagem dos olhos desinteressados, fixos em lugar algum.
Eu olhava para qualquer lugar.
Céu cinza sobre nuvens cinza sobre prédios cinza com gente cinza e ela quieta me olhava. Sorria. Sorria um sorriso amarelo, amarelo, mas já me aquecia. Eu batia as cinzas só para desviar o olhar, para quebrar aquele momento insuportável, aquela saturação de ar nos meus pulmões, rubor em meu rosto, cinza todo o resto e eu não resistia e olhava novamente, apenas para vê-la sorrir e desviar o olhar.
Eu tragava para qualquer lugar.
As pessoas e os burburinhos, de mansinho se aquietavam pela minha falta de interesse e tornavam-se ruídos surdos, gente borrada, um blur no meio do nada, um momento particular. Meu momento. Talvez o dela, também, mas o meu momento.
Olhos cerrados, olho-a de lado e encontro seus olhos a me esperar.
Levanto para chegar à beira da passarela, passo meus olhos pelo cinza ao céu, pela chuva ao chão, pelas pessoas atravessando a rua com pressa – e elas riem, riem, riem e aproveitam um breve retorno aos dias de criança – e disfarço, mas penso nela e em como é estranho não ter outras coisas pelo que pensar. Bato as cinzas à beira e vejo o vento tragá-las consigo até longe, bem longe. Imagino que essa seja a liberdade – viver a mercê da corrente, sem escolha e sem rumo, sem culpa, sem fim. Apenas espera-se queimar e queimar bem rápido e deixar o vento trabalhar.
Nessas horas, principalmente ao ver novamente tais olhos negros com sorriso branco, agradeço por não ser livre. A escolha ainda é minha.

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