Ventava tanto. Muita gente
abrigava-se naquela passarela aberta, no segundo piso. Carros passavam, logo
abaixo, para-brisas trabalhavam lentos, debris
se formavam ao centro da paisagem dos olhos desinteressados, fixos em lugar
algum.
Eu olhava para qualquer lugar.
Céu cinza sobre nuvens cinza
sobre prédios cinza com gente cinza e ela quieta me olhava. Sorria. Sorria um
sorriso amarelo, amarelo, mas já me aquecia. Eu batia as cinzas só para desviar
o olhar, para quebrar aquele momento insuportável, aquela saturação de ar nos
meus pulmões, rubor em meu rosto, cinza todo o resto e eu não resistia e olhava
novamente, apenas para vê-la sorrir e desviar o olhar.
Eu tragava para qualquer
lugar.
As pessoas e os burburinhos,
de mansinho se aquietavam pela minha falta de interesse e tornavam-se ruídos
surdos, gente borrada, um blur no
meio do nada, um momento particular. Meu momento. Talvez o dela, também, mas o
meu momento.
Olhos cerrados, olho-a de lado
e encontro seus olhos a me esperar.
Levanto para chegar à beira da
passarela, passo meus olhos pelo cinza ao céu, pela chuva ao chão, pelas
pessoas atravessando a rua com pressa – e elas riem, riem, riem e aproveitam um
breve retorno aos dias de criança – e disfarço, mas penso nela e em como é
estranho não ter outras coisas pelo que pensar. Bato as cinzas à beira e vejo o
vento tragá-las consigo até longe, bem longe. Imagino que essa seja a liberdade
– viver a mercê da corrente, sem escolha e sem rumo, sem culpa, sem fim. Apenas
espera-se queimar e queimar bem rápido e deixar o vento trabalhar.
Nessas horas, principalmente
ao ver novamente tais olhos negros com sorriso branco, agradeço por não ser
livre. A escolha ainda é minha.
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