Puxou um cigarro do bolso.
Antônio
caminhava com um vazio nos olhos, com pés em zigue-zague, espasmos de
consciência que o faziam virar a cabeça e tentar capturar no olhar o pouco que
por ele passou enquanto passeava sem aparente destino pela rua, enquanto
perscrutava entre pessoas sem destino e sem consciência, apenas o vazio – um pouco
nos olhos, outro tanto nos bolsos, e o resto no coração.
Rua
cheia, comércio cheio, céu cheio: estava nublado, embora fosse possível ver o
brilho do Sol insistindo por trás das nuvens. Prédios chatos de cores chatas e
janelas chatas, borradas e sujas, tão impessoais e cínicos, obedecendo a seu
propósito. Nas ruas, mares de carros e gente, sempre em trânsito, sempre se vai
a algum lugar, sempre. Nas calçadas, estandes diversos, com tal variedade
jamais desafiada, todos eles iguais e todos oferecendo o que não se encontra em
nenhum outro lugar.
Colocou-o
na boca.
Lembrou-se
da noite anterior e de como parecia impossível adormecer ao lado de alguém, principalmente
dela. Principalmente dela e por isso foi embora, por isso vestiu a camisa e os
sapatos, abriu a porta e foi embora, enganando a si mesmo ao dar o rabo do
olho, ainda que por tão pouco tempo, para a porta agora fechada e então
virar-se e partir.
Os
corredores são maltratados. Os corredores são, por definição, maltratados. Os
quartos sempre ficam com a glória, sempre são cenários de história, diálogos
marcantes de livros, clímax, anticlímax, finais. Metade de um romance em chave
se dá em quartos, o escritor médio-amador usa quartos como lugares seguros onde
se expõe o introspectivo.
Acendeu-o.
Mal
pôde vê-lo chegar, apenas sentir seu ombro agora tocado, puxado com força. Ao
virar-se pôde sentir um punho esmagar sua face, rasgar a pele que adornava sua
bochecha esquerda, quebrar seu nariz e desperdiçar seu sangue. Talvez tenha
sido mais violento, o impacto do ombro direito ao chão, mas ao menos teve tempo
para rastejar para trás e recobrar o equilíbrio e também a visão. Ainda turva,
pôde discernir sombras e aos poucos formas e viu seu rosto – Dmitri, um cigarro
nos lábios, com um sorriso cínico. Sussurrou, com a boca imóvel, “Isso é por
dormir com a Vanessa.”, deu as costas e foi embora.
Rua
cheia, comércio cheio, céu cheio: o céu aos poucos se abria, mas infelizmente o
Sol já não brilhava tanto. Gente chata com jeitos chatos e caras chatas, borradas
e sujas, tão impessoais e cínicas, obedecendo a seu propósito. Nas ruas, poucos
corações, sempre em trânsito, sempre se deseja estar em outro lugar, sempre. Nas
calçadas, gente diversa, ninguém igual a ninguém, mas todos iguais e todo lugar
é o mesmo lugar.
Tragou-o
e tomou-o entre os dedos – em momento algum lhe passou pela cabeça olhar para
trás.
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