quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O Casamento e A Infância II

Luka foge da chuva torrencial - que bruscamente encontra seu lugar em meio ao sórdido calor tropical da segunda cidade mais quente do mundo - à procura de um abrigo. Encontra um breve e pequeno teto que protege um ponto de ônibus e assim ele espera sua condução. Faz sinal, pois logo seu ônibus se aproxima, e embarca.
Ao encaminhar-se a um dos assentos, Luka vê Dmitri, um amigo de longa data que não vê há tempos, sentado, solitário.
- Olhando a chuva riscar a janela? Você já foi menos romântico.
- Luka! Não, eu só estava pensando: os anos estão passando rápido e eu não estou ficando mais novo, você sabe como é isso? Não, você não sabe, pois ainda é jovem; eu, por outro lado, estou envelhecendo rápido demais. Talvez seja a vida. Você envelhece por conta dos seus cigarros, da sua bebida, mas já aprendi a conviver com isso: o que mais me desgasta, mesmo, é a vida.
- Dmitri, mas já parei de fumar. Aliás, você também não tinha parado de fumar?
- Você já deveria saber que é mais fácil você parar de fumar do que eu. Enfim, a grande questão é que eu já não deveria mais estar sozinho, pois já não tenho saco de ficar conhecendo tantas pessoas, entende? Eu deveria aceitar que não conheci o par ideal e conviver com a melhor opção que eu posso manter. Não posso envelhecer sozinho, o que seria de mim? Aliás, o que pensariam de mim?
- É realmente mais importante pra você o que os outros pensam do que seu bem estar?
- Até parece que você não me conhece. Pra ser sincero, já nem consigo mais escrever! Esse tempo inconstante me mata: ao sol de cinqüenta graus, eu morro, praticamente! Fico prostrado em minha cama, com uma garrafa de cerveja molhando minha garganta incessantemente. Nos dias de chuva, fico hipnotizado pelo riscar da janela, observando a corrida entre as gotas, apostando na que chegaria primeiro na sacada. Talvez eu não esteja inspirado, é que eu sinto medo, sabe?
- Esse cara não parece você, eu vou descer aqui.
- Pare com isso! Sou humano, ainda que não pareça algumas vezes...
- Como quando você bebe?
- Isso!
- Mas você bebe o tempo todo...
- A questão é que eu estou envelhecendo e não posso deixar de lado uma necessidade fisiológica minha: deixar meu legado.
- Mas você já tem dois livros publicados, o que mais você quer deixar pra humanidade? Nunca imaginei que você quisesse ser tão presente.
- Um filho, Luka, um filho! Entende? Já era tempo de deixar uma criança nesse mundo pra carregar o fardo do meu sangue, como um bom Buendía, entende?
- Lá vem você com essa intertextualidade.
- Vá à merda! Estou falando sério, preciso deixar meu legado, desenvolver os traumas. Meus pais me cagaram para este mundo, então talvez seja hora de gerar outro ser vivo que possa ser cagado e que possa contribuir com seus traumas para a arte contemporânea, mas, claro, sem perder o charme de alguma escola literária passada. Barroco, de preferência. Barroco...
- Hmm, meu ponto é aqui, Dmitri. Até logo.
- Luka, não vá! Luka! Luka!
E, neste momento, o ônibus volta a andar, deixando Luka para trás e Dmitri a voltar a apostar em uma gota em particular...

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