quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O Casamento e A Infância I

Ouve-se o agudo soar de um sino e o fechar de uma porta: Dmitri chegou ao bar. O bar não estava exatamente cheio, notava-se os mesmos rostos de sempre ao redor das mesas, as mesmas caricatas faces do bêbado, do magrelo com a burlesca, o rapaz que dormia sobre a mesa e Luka, seu amigo caladão, estava ao balcão. Dmitri se sentou.
- É, Luka, as noites estão cada vez mais insuportáveis. EI! Garotão, Jack sem gelo, por favor.
- O que houve dessa vez? Cagaram no teu pau, de novo?
- Haha, antes fosse. Não estou com ninguém, agora, disso eu estou livre.
- Então o que diabos houve? – Perguntou Luka, enquanto bebia um bom gole de sua cerveja.
- Meus pais, meus velhos pais. Amam-se, mas não se agüentam. Eu já não agüento, mas acho que é mais difícil pra mim, já que tenho que agüentar ambos. Ah, obrigado, rapaz. – Dmitri dera uma bela golada em seu uísque - Jack, no entanto, me ajuda, mas acabaram as garrafas lá de casa. Eu havia parado de beber, lembra-se? – E Luka respondia afirmativamente com a cabeça, parando então para continuar bebendo – Parado de fumar também, mas nada dura pra sempre, como o casamento dos velhos. Falando nisso, eu bem preciso fumar agora mesm... O quê? Ambiente fechado? Sair pra fumar? Não, não. Não vale a pena, obrigado. Como ia dizendo, Luka, Vinha conversando com mamãe e tenho a impressão de que ela desmiolou de vez: agora diz que quer conhecer outros homens!
- Outros homens, você diz? – Luka termina sua cerveja e pede outra ao barman.
- Sim! Outros homens! Diz ela que não pretende trair meu pai, que é só pra fazê-lo pagar pelas companhias femininas que ele arranja por aí, mas eu não sei. Pra ser sincero, não queria nem saber. Ela sempre foi mais certinha, então eu já não sei o que pensar. Meu pai é um asno, desde sempre, e isso deixou mamãe meio maluca. Agora, veja você, mamãe acaba importunando meu pai, que se torna mais imbecil, e isso não para. Eu é que me fodo, pior é isso.
- Hmm...
- Hmm, o quê?
- Nada, deixe para lá.
- Fale, diabos!
- Nada, só me perguntava se você não estaria sendo meio egoísta em trazer o problema para si, só isso. – E novamente sua cerveja era atacada.
- Ué, mas se eu não pensar em mim, quem vai pensar? Eles? E se eu não pensar em mim, em quem vou pensar? Neles? Já era pra eles, admita. Demorei a admitir, mas já não há mais o que esconder de mim: o que eu não quero ver, a bebida me mostra. Falando nela: EI, garoto, me sirva mais um Jack, por favor. Enfim, olhe só para todos estes perdedores, aqui no bar: tiveram uma infância ferrada, como a minha, como a tua. Meus pais não conseguiram me ensinar muita coisa, mas graças a eles eu sei que casamento fode qualquer pessoa, inclusive qualquer criança.
- Cada um de nós tem queixas do passado e sabe lidar com cada um dos traumas. Alguns lidam melhor que outros, outros bebem, fumam, cheiram, matam... No fundo, o que importa é sobreviver, não?
- Luka, às vezes me surpreendo com você. Tá, talvez não, mas você fala certas coisas que têm sentido. Ah, obrigado. EI, eu pedi um duplo! Não pedi? Ah, então desculpe, tudo bem. Você me dá um duplo na próxima. Como ia dizendo, meu amigo, olhe para eles: você acha que aquela burlesca está com aquele magrelo por que motivo? Fatalmente, falta-lhe amor próprio. Teve uma infância triste, pois sua mãe a censurava: havia de fazer balé, pois era o destino que sua mãe não teve e que haveria de ser concretizado por sua filha. Não a deixava sair com as amigas, falar com quem quisesse: a pobre criança deu seu primeiro beijo com dezoito anos, penso eu.
- Ainda bem que você é um escritor, você tem uma imaginação e tanto...
- É, acho que sim, além do mais, sendo um escritor eu tenho carta branca para beber e esquecer meus traumas de infância.
- Que traumas de infância?
- Esqueça, Luka, esqueça. Vamos continuar a beber. Meu amigo, me sirva aquele duplo, agora...

Nenhum comentário: