Dmitri
esfregou os olhos, conforme o sono tomava-o. Bocejou e esfregou os olhos
novamente. Escrever diante da tela de um notebook é completamente diferente de
escrever diante de uma Ollivetti – perde-se a magia, perde-se o encanto, no
entanto não havia escolha: sua tinta acabara.
Mão
esquerda à testa, mão direita à boca, aparando o cigarro que queria chorar. Aos
poucos a mão esquerda deslizava por sua cabeça raspada até chegar à nuca, a
qual acariciava com seu polegar. Pousou o cigarro no cinzeiro, o óculos na
cama, esfregou os olhos novamente e tomou um trago de conhaque com soda e riu
ao ver em si um pouco de Hemingway e em quão deprimente era o fato desta
semelhança fugir a seus textos. Esfregou sua boca e sua barba por fazer,
colocando seus óculos novamente.
Página
em branco.
Levantou-se.
Um passeio pela casa faria bem, ele pensou,
um passeio pela casa poderia ser o que eu preciso, mas ele não havia
pensado no cheiro dela, no brilho impresso que seus olhos azuis haviam deixado
na sala, na sombra que ainda fazia escurecer a varanda a meia-luz, nas curvas
que marcavam seu lugar no sofá. Teria feito bem a algum outro escritor, mas
Dmitri era dor. Era pura dor. E dor não se remedia com lembranças, mas
instiga-se com passados não digeridos, não perdoados.
Olhos
ao teto, mãos passeando pelo rosto, até a nuca, até os ombros, olhos ao teto
procurando algo de novo, algum esconderijo para a mente, para a solidão, para
as memórias, para a torrente de tudo o que invadia o seu momento de luto, seu
momento de luta contra a dor, contra si mesmo. Andou até a varanda, até a
sacada e acendeu outro cigarro. Sentou ao sofá e viu algo novo nele: vazio.
Emília fazia falta.
Muita falta.
Andou de volta ao quarto para
bater as cinzas do cigarro no cinzeiro perdido em sua cama. Ligou seu som e
nele havia um pouco de Henderson e isso não o ajudava a sorrir. Pensou em
chorar, mas não era de seu feitio mentir.
Página em branco – havia o que
fazer?
Talvez fosse isso a
incomodá-lo – seu amor com Emília fora reduzido a páginas em branco. Olhos
doloridos, pulmões negros e mãos duras – tudo o que restou?