terça-feira, 17 de novembro de 2009

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Talvez seja surpresa pra uns, mas eu faço parte de uma irmandade. Era freqüente, em meus anos de mocidade. Não costumo falar sobre isso, até evito, mas estou citando isso porque é algo essencial para o que vou dizer a seguir.
Era uma e meia e eu saí de casa, para encontrar Fernando e, assim, irmos de encontro a um rapaz que estava sendo indicado por um tio nosso. Fê tinha o endereço e os telefones, mas sequer sabíamos o bairro onde o garoto morava. Era neto da antiga caseira do condomínio onde costumávamos atuar.
Cheguei as duas e quarenta no Flamengo, em frente ao prédio do Fê, e liguei duas vezes para ele, mas ninguém atendeu, logo decidi subir, pois esperar nem me parecia uma boa opção. Subi e fui recebido por alguém que não fazia idéia de quem era, enfim, ele estava no banho e eu deveria esperar e assim o fiz. Cochilei, no meio tempo, até que ele saiu do banho, descobrimos o bairro e nos pusemos a ir. A Vargem era grande e a viagem longa.
Pegamos um três oito dois na Praia de Botafogo, e passeamos pela orla. Copacabana, pela Atlântica, é tão linda. Vieira Souto, em Ipanema, nossa. O Sheraton passou por nós, quando passávamos pela Niemeyer. Ao passar pela Ponte da Joatinga, finalmente me dei conta de inúmeras memórias que já se perdiam após anos e anos. Época em que morava no Flamengo e cruzava essa ponte – que sempre me impressionou – quando ia com meus pais dar uma volta, desde que nasci até meus onze anos. Eu fiquei atordoado, no momento, pois de tanto, de tudo, me lembrei. De toda a arquitetura da ponte, dos túneis, o cheiro da maresia naquela ponte, do mar, das ilhas que fugiam para o horizonte. Saudosismo, por que me abraças?
De todo modo, seguimos sempre em frente, passando pela Ministro Ivan Lins, enfrentando um pouco do trânsito parado. Não desgosto de ficar na estrada, ou nas ruas, dentro de uma condução, esperando o destino chegar. Pra ser sincero, adoro, mas se há alguma coisa que eu detesto é engarrafamento. Não suporto e explodiria todos os carros, se pudesse, ou dirigiria um desses Monster Trucks, para passar por cima de cada um dos carros que quisesse desafiar a força incessante do ímpeto natural de seguir em frente.
Passado o engarrafamento, continuamos. Já havia se passado uma hora de viagem e ainda estávamos no Recreio. Fê havia ligado para a Tia e ela nos deu uma referência, para que pudéssemos usar na hora certa de saltar do ônibus. A trocadora desconhecia a referência e ficou por isso mesmo. Decidimos esperar. Ao passar por Vargem Pequena, pedimos ajuda a outra senhora que nos apontou com precisão o ponto no qual deveríamos descer e onde a rua estaria ao descermos. Descemos e resolvemos dar uma mijada no mato. Apontei meu pênis para Fê e ameacei mijar nele, mas minha razão falou mais alto e eu mirei numa árvore. Enfim fomos rumo a tal rua.
Um dado curioso sobre a rua é que o número das casas que nela se encontravam se embaralhava. Não havia um lado específico para casas de número ímpar ou par. E tava tudo tão estranho, havia uma neblina. Fê e eu brincamos que estávamos em Silent Hill e aquela rua não fazia sentido, até porque, no fundo, não fazia. Ela desembocava numa pracinha onde não havia essa casa. E aí? Bem, pedimos arrego e fomos a um bar perguntar aos donos do estabelecimento sobre a tal casa. Eles nos disseram que não havia tal casa lá - o que reforçava a idéia de Fê que estávamos em Silent Hill -, mas que havia outras ruas homônimas pela região, uma mais ao fim da estrada, outra lá atrás, no Recreio, no Terreirão, mais especificamente. Xinguei Deus, o mundo e o Fê e me mandei de lá com ele. Pegamos um setecentos e três e paramos após passarmos o Recreio Shopping e lá pedimos informação a um feirante que ficava por lá. Ele ficou passando um papo estranho, dizendo saber onde fica a tal rua, que mora lá perto, ia levar a gente lá, enfim, tudo bem. O cara parecia ser prestativo. O papo só ficou estranho quando ele disse que não tinha certeza se aquela era a rua, pois vivia lá de aluguel e não sabia o nome da rua onde morava. AÍ eu me preocupei.
Quando comecei a escrever meu romance, citei Kerouac ao dizer que num país de terceiro mundo como o Brasil, onde o desigual mora ao lado, viajávamos ao México todo dia da semana. Pois bem, sempre vi a pobreza de longe, seja em livros, em televisões, em obras sociais relativamente próximas aos locais, ou no trajeto de volta para casa, mas nunca estive tão perto, nunca pisei num chão revestido pelas lágrimas e pelo suor do trabalho. E ao lado, um Shopping Center bem estruturado, a menos de cinco quilômetros. Me fez pensar, isso.
Voltando, depois de nos perdermos do cara e nos perdermos no bairro, procuramos a tal rua até que achamos a rua e a casa. A casa da Tia era uma casa bem bacana e destoava das demais do bairro. Era bem tratada e aconchegante e eu me senti melhor ao saber que ela e sua família moravam bem, lá. Conversamos por muito tempo sobre pessoas. Sobre as pessoas que passaram pela irmandade. Pelos fatos, pelas idéias que por ali passaram, também. Foi gostoso, foi um tipo de saudosismo próximo, pois eram saudades de pessoas com quem convivo. Enfim, logo mais fizemos o que deveria ser feito, agradecemos a hospitalidade e demos o fora. Pegamos um ônibus que passava pela orla e voltamos pro Flamengo. No meio do trajeto, em algum lugar do Recreio, tive uma visão. Na visão, Dylan me dizia para eu não me preocupar, apenas ser feliz e por cinco longos minutos eu o ouvi assobiar, até que adormeci. Adormeci pensando no dia em que voltaria para o meu Flamengo – bairro, claro, pois não renuncio o meu tricolor de forma alguma -, para, novamente, sentar à orla e fumar enquanto as estrelas me observariam. Ao chegarmos ao Parque Guinle, avistei um quatro três quatro de longe e rapidamente me despedi do Fê, para poder alcançá-lo. Dei um sprint até chegar ao Princesa, na Senador Vergueiro, pois o puto do motorista não parava pra mim. Eram nove e tanta da noite, mas não tinha me cansado até aquela hora. Talvez isso devesse significar que eu deveria fumar menos. De todo modo, sentado num banco do quatro três quatro, já poderia me considerar em casa. Na verdade já estava em casa e a noite já estava terminando. E terminava a breve noite de terça-feira, junto ao longo dia que a precedeu.

2 comentários:

-Tri disse...

Gostei do texto, o "Fê" deu o charme!

Thiago Rosa Shinken disse...

Curti. Fico me perguntando o quanto isso tem de auto-inserção...