terça-feira, 10 de novembro de 2009

Ode a Bob

Numa tarde de sol, Dmitri esperava Goldenberg, sob o sol de uma da tarde, em pleno horário de verão.
- Oi. – respondeu ele ao telefone.
- Já te disse o quanto eu te odeio, hoje?
- Calma, eu já estou chegando.
- Eu não disse porque não te odeio mais, agora quero te matar.
- Ei, relaxe, relaxe. Já estou te vendo.
E Goldenberg descia a rampa que o levaria de encontro a Dmitri e ao estádio.
- Não foi tão mal, foi? – perguntava o judeu.
- Tirando o fato de que eu estava sob esse sol de quarenta bons graus e você se atrasou deste jeito, no ar condicionado do metrô, bem...
- Mas eu demorei assim porque eu quase fui assaltado saindo do metrô!
- E eu, vestindo esse tênis de boiola que, além de tudo, é minúsculo? - Dmitri vestia um all star de couro branco, imundo, que um amigo trocara com ele por um par de havaianas. – E o cara que trocou comigo veste trinta e nove! Trinta e nove!
- É, pequeno, o cara. Vem cá, por que aqueles dingos estão olhando pra cá?
- Ah, enquanto você demorava, fiquei sem nada pra fazer, então eu comecei a imaginar a vida daqueles mendigos. Veja você, está vendo aquele que ainda tem alguns dentes? Ele é o João. João passou a vida inteira correndo atrás do mundo por sua mulher, até o dia em que percebeu que ela não valia a pena e a abandonou. O outro, aquele sem a mão esquerda, é o Bob. Oi, Bob! – Gritou Dmitri, enquanto ambos responderam – Bob é gente fina, cara.
- Imagino que seja, sim, mas vamos para a fila? Temos que comprar meu ingresso.
- Depois de atrasar meia hora, você vem me cobrar assiduidade?
Goldenberg não respondeu e ambos seguiram para o final da fila.
- Sabe, eu acho que vai demorar.
- Ah, vai me culpar pelo atraso, de novo?
- Bob é gente fina demais. Perdeu a mão nesse conflito na Faixa de Gaza. Era um homem sem ideais, mas está aleijado por causa de um. Estranho, né?
- Mas o Exército Brasileiro participa do conflito?
- Bob participa. Viva o Bob! –Gritava ele, novamente. Enquanto muitos dos presentes na fila urravam por Bob, outros mandavam Dmitri calar a boca. – Todos acham Bob gente fina.
- Todo Bob é gente fina.
A fila andava, repórteres filmavam. A ascensão do tricolor era motivo de espanto. A tal repórter de quadris belos e fartos e siliconados peitos tentou entrevistar Dmitri, mas ele disse que não dava entrevistas. Ele se achava um babaca. Pois ela também.
Dmitri se despediu de Goldenberg, esse com os ingressos em mãos, e voltou pra casa.

O telefone tocou. Era Sasha, um velho amigo.
- Oi, ligou lá pra tia? – perguntou Sasha.
- Não, eu to ficando sem dinheiro pra essas ligações.
- Mas liga pra inglesinha, lá.
- Alto lá, nunca liguei pra Louise! Ela sempre me ligou, coitada. Ligou tanto pra descobrir que foi coisa de momento, uma aventura de verão.
- Você é um babaca. Fez a pobre criança sofrer.
- A culpa não é minha. Quando a vi na praia, pensei que era mais uma garota do sul nas praias cariocas, mas ao falar com ela, percebi que a vaca loira era gringa, na verdade.
- Sempre pelo caminho mais difícil, né?
- No fácil, elas não são rosa. – disse Dmitri, rindo.
- Você é um babaca.
- Tá, e você vai ligar pra tia? Eu realmente não to com grana pra isso.
- Um dia você vai ver que não tem ninguém mais pra te ajudar. Você suga Deus e o mundo, só pra evitar um esforcinho a mais.
- Entenda bem, você sabe que eu posso ligar, eu sei que eu posso ligar, mas sou um cara tímido.
- O caralho! Você é um mão-de-vaca!
- Como quiser, eu não quero falar com ela. Nem a conheço!
- E você ainda engana algumas pessoas de bem que pensam que você vale algo.
- Isso se chama inteligência. – “Isso se chama sorte!”, retrucou Sasha – Ou isso.
Sasha desligou o telefone.
Dmitri pensava no dia que tinha se passado e já não sabia mais se havia como torná-lo bom. Não, não havia – concluiu. Sabia que Bob saberia viver uma vida melhor que a sua. Então serviu uma generosa dose de uísque e colocou dois cubos de gelo em seu copo e pôs- se a tentar voltar a escrever seu livro.