Agarrou
seu travesseiro. Pensou em abrir os olhos, talvez tenha pensado, mas não abriu.
Não sabia exatamente em que cama estava, mas em seu âmago fazia ideia. No fundo
de si, em seu peito soube e enfiou o rosto em seu travesseiro para esconder-se
da verdade iminente. Sentiu-se observado. Estivera sendo observado desde muito
antes e fora isso que o fizera acordar. Olhos quentes, coração quente, membros
esquentando e envolvendo seu corpo, tomando seu peito e abraçando-o quente
contra sua vontade fria. Virou para reconhecer os olhos que queimavam, donos
dos braços que cercavam, das pernas que aninhavam e do que havia entre elas que
o aprisionava. Ainda de olhos fechados, tateou o rosto dela com o seu, suas
costas com suas mãos, suas coxas com suas mãos, seu rosto novamente e abriu os
olhos. Seus olhos castanho claros viram os negros de Carmem.
Dmitri
aos poucos lembrava-se da noite anterior, de como Carmem aparecera em sua casa
pouco antes das duas da manhã, de como ela esteve, bêbada e rancorosa e
claramente a fim de arrepender-se por algo que não havia feito ainda. De como
levantara-se de sua poltrona contra a sua vontade, deixando sua cerveja pela
metade na mesa de centro, olhara para a janela e vira-a molhada e o chuviscar
pesado por trás dela, para então caminhar até a porta e receber uma mulher
sinuosa com quadris sinuosos, cabelos negros encharcados escorridos, rosto
encharcado e escorrido e quase sem expressão senão a de súplica calada que
pedia desnecessariamente urgente um abrigo, não da chuva, mas da vida, de sua
casa, de tudo. De Luka.
Acendeu
seu cigarro e virou o rosto, não queria confrontar o rosto que jazia no que
fora sua cama e agora era um túmulo. O que Luka pensaria? Amizade de anos –
eram irmãos. Não desses de sangue, nem do tipo que se escolhe, mas aqueles dos
quais não se pode escolher se é irmão, ou não – apenas se pode ser. Agora...
Traíra Luka. E agora?
Resolveu
continuar de costas para Carmem e fechar os olhos. Cenhos franzidos, tentou
repentina e gradativamente voltar a dormir. Pensamentos turbulentos, memórias
recentes carregadas de sentimentos invadiram-no e reviraram-no.
Por
fim resolveu abrir os olhos novamente. Acordara sozinho, desta vez, num quarto diferente:
o seu. Confuso, aos poucos tomou a noção de tempo que se perde quando se
adormece e percebeu que este fora apenas um sonho. Não, não fora um sonho,
aliás, apenas um sonho. Fora uma lembrança – a lembrança de sua primeira noite
com Carmem.