O
mesmo bar simpático, com o mesmo quadro barato, com aquele mesmo garçom
estabanado, com os mesmos drinques aguados, com a mesma guria de sempre que
olhava sempre com olhos diferentes.
Era
pequena, a pele morena, a boca pequena, bem talhada com um batom rosa claro,
delineando seu sorriso extenso. Seus olhos negros, mas como de um gato –
grandes, cílios grandes, ovais e expressivos.
Cabelo longo, liso, negro, uma manta sobre seus ombros e que inutilmente
protegia seu pescoço, cuja pele eu adorava marcar, mesmo contra sua vontade.
Víamo-nos
ao menos uma vez por semana e naquele bar. Talvez nós nos víssemos com mais
frequência – mas de forma menos significativa, mais corriqueira –, ao longo da
semana, mas nosso encontro, o de verdade, era sempre naquele bar.
Se
ela não viesse sempre, eu duvidaria que ela gostasse de mim, duvidaria que ela
quisesse me ver, pois olhava o relógio com frequência e sempre, a cada olhar
escondido ao relógio, vinha a sorrir aquele sorriso, como mil braços, mil
cordas e eu me perdia em rosa, nos seus lábios, queria mil abraços, mil beijos
e ela me dava corda e terminávamos felizes – eu conseguia meus beijos e ela
conseguia me prender.
Vestido
florido, curto, tomara que caia me tirando do sério e eu precisava me distrair
de alguma forma, então chamei o garçom e pedi a ele duas doses de conhaque e
uma soda e ele prontamente girou desengonçado entre os calcanhares e saiu
desengonçado entre mesas para me atender. Ao menos tinha bom coração, gostava
do que fazia e era extremamente eficiente. Soda misturada aos copos de
conhaque, bebemos um gole e ela me fala que este é um drinque muito forte e ri
sem jeito. Acompanho-a, sem muito efeito, apenas para ganhar tempo de olhar bem
seus olhos. Desvio os olhos para suas mãos e escapa-me um suspiro – sempre
escapava o mesmo suspiro, ainda que o mesmo escapasse tantas outras vezes de
forma mais sutil.
Pergunta-me
o que houve, sabendo a resposta. Desvia os olhares e me beija as mãos e volta a
me olhar, de um jeito incisivo, como que eu não tivesse direito de me chatear,
mas que, ainda assim, ela me perdoasse.
Não que eu não estivesse confuso, mas eu aceitava o perdão de bom grado. Ela me
beija o rosto e eu sou dela. Toda vontade que eu sentia era destinada a ela –
para ser sincero, isso não era novidade: sentia-me à vontade com ela e toda
semana esperava ansioso pelo encontro da semana que viria, o próximo que sempre
prometia ser o último – e eu sorria por seu sorriso, estremecia quando passava
seus dedos por seus cabelos para ajeitá-los e olhava sem graça para outra
direção ao perceber que eu admirava-a.
Sorrindo,
libertei-me do seu cheiro, da sua visão e pus-me a olhar o mesmo quadro barato
de antes. Aquele com cores frias, nublado, verde e azul do pasto ao redor do
lago e um detalhe de uma cabana à margem e aquele quadro sempre terno sempre me
alegrava com sua solidão, até lembrar-me que aqueles finos lábios rosa que
cerravam aquela linda boca pequena já se abriram para contar-me que a paisagem
lembra o casebre de seu marido, visto ainda da serra. Ela evitava olhar para o
quadro por saber que me lembrava daquele meu rival.
Eu
seria capaz de passar todo esse tempo calado, sem tocá-la, apenas para
apreciá-la ao meu lado. Eu seria capaz de matar todo e qualquer marido que
viesse tomá-la de mim, roubar o que nunca foi meu por direito, mas quem saberia
direito tomar o certo do errado se não há lei entre dois corações pulsantes? Então
eis que ela me responde breve, com uma pergunta, mas como quem forçasse para
não engasgar com verdades:
- Se
toda vez não fosse a última, você ainda iria querer ver uma mulher que não pode
ser sua?
E no
mesmo bar simpático, com o mesmo quadro barato, com aquele mesmo garçom
estabanado, com os mesmos drinques aguados, penso se a mesma guria de sempre
que olhava sempre com olhos diferentes voltaria a me ver.