segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Escaleno



                O mesmo bar simpático, com o mesmo quadro barato, com aquele mesmo garçom estabanado, com os mesmos drinques aguados, com a mesma guria de sempre que olhava sempre com olhos diferentes.
                Era pequena, a pele morena, a boca pequena, bem talhada com um batom rosa claro, delineando seu sorriso extenso. Seus olhos negros, mas como de um gato – grandes, cílios grandes, ovais e expressivos.  Cabelo longo, liso, negro, uma manta sobre seus ombros e que inutilmente protegia seu pescoço, cuja pele eu adorava marcar, mesmo contra sua vontade.
                Víamo-nos ao menos uma vez por semana e naquele bar. Talvez nós nos víssemos com mais frequência – mas de forma menos significativa, mais corriqueira –, ao longo da semana, mas nosso encontro, o de verdade, era sempre naquele bar.
                Se ela não viesse sempre, eu duvidaria que ela gostasse de mim, duvidaria que ela quisesse me ver, pois olhava o relógio com frequência e sempre, a cada olhar escondido ao relógio, vinha a sorrir aquele sorriso, como mil braços, mil cordas e eu me perdia em rosa, nos seus lábios, queria mil abraços, mil beijos e ela me dava corda e terminávamos felizes – eu conseguia meus beijos e ela conseguia me prender.
                Vestido florido, curto, tomara que caia me tirando do sério e eu precisava me distrair de alguma forma, então chamei o garçom e pedi a ele duas doses de conhaque e uma soda e ele prontamente girou desengonçado entre os calcanhares e saiu desengonçado entre mesas para me atender. Ao menos tinha bom coração, gostava do que fazia e era extremamente eficiente. Soda misturada aos copos de conhaque, bebemos um gole e ela me fala que este é um drinque muito forte e ri sem jeito. Acompanho-a, sem muito efeito, apenas para ganhar tempo de olhar bem seus olhos. Desvio os olhos para suas mãos e escapa-me um suspiro – sempre escapava o mesmo suspiro, ainda que o mesmo escapasse tantas outras vezes de forma mais sutil.
                Pergunta-me o que houve, sabendo a resposta. Desvia os olhares e me beija as mãos e volta a me olhar, de um jeito incisivo, como que eu não tivesse direito de me chatear, mas que, ainda  assim, ela me perdoasse. Não que eu não estivesse confuso, mas eu aceitava o perdão de bom grado. Ela me beija o rosto e eu sou dela. Toda vontade que eu sentia era destinada a ela – para ser sincero, isso não era novidade: sentia-me à vontade com ela e toda semana esperava ansioso pelo encontro da semana que viria, o próximo que sempre prometia ser o último – e eu sorria por seu sorriso, estremecia quando passava seus dedos por seus cabelos para ajeitá-los e olhava sem graça para outra direção ao perceber que eu admirava-a.
                Sorrindo, libertei-me do seu cheiro, da sua visão e pus-me a olhar o mesmo quadro barato de antes. Aquele com cores frias, nublado, verde e azul do pasto ao redor do lago e um detalhe de uma cabana à margem e aquele quadro sempre terno sempre me alegrava com sua solidão, até lembrar-me que aqueles finos lábios rosa que cerravam aquela linda boca pequena já se abriram para contar-me que a paisagem lembra o casebre de seu marido, visto ainda da serra. Ela evitava olhar para o quadro por saber que me lembrava daquele meu rival.
                Eu seria capaz de passar todo esse tempo calado, sem tocá-la, apenas para apreciá-la ao meu lado. Eu seria capaz de matar todo e qualquer marido que viesse tomá-la de mim, roubar o que nunca foi meu por direito, mas quem saberia direito tomar o certo do errado se não há lei entre dois corações pulsantes? Então eis que ela me responde breve, com uma pergunta, mas como quem forçasse para não engasgar com verdades:
                - Se toda vez não fosse a última, você ainda iria querer ver uma mulher que não pode ser sua?
                E no mesmo bar simpático, com o mesmo quadro barato, com aquele mesmo garçom estabanado, com os mesmos drinques aguados, penso se a mesma guria de sempre que olhava sempre com olhos diferentes voltaria a me ver.