terça-feira, 24 de abril de 2012

O dia e as ruas


Puxou um cigarro do bolso.
                Antônio caminhava com um vazio nos olhos, com pés em zigue-zague, espasmos de consciência que o faziam virar a cabeça e tentar capturar no olhar o pouco que por ele passou enquanto passeava sem aparente destino pela rua, enquanto perscrutava entre pessoas sem destino e sem consciência, apenas o vazio – um pouco nos olhos, outro tanto nos bolsos, e o resto no coração.
                Rua cheia, comércio cheio, céu cheio: estava nublado, embora fosse possível ver o brilho do Sol insistindo por trás das nuvens. Prédios chatos de cores chatas e janelas chatas, borradas e sujas, tão impessoais e cínicos, obedecendo a seu propósito. Nas ruas, mares de carros e gente, sempre em trânsito, sempre se vai a algum lugar, sempre. Nas calçadas, estandes diversos, com tal variedade jamais desafiada, todos eles iguais e todos oferecendo o que não se encontra em nenhum outro lugar.
                Colocou-o na boca.
                Lembrou-se da noite anterior e de como parecia impossível adormecer ao lado de alguém, principalmente dela. Principalmente dela e por isso foi embora, por isso vestiu a camisa e os sapatos, abriu a porta e foi embora, enganando a si mesmo ao dar o rabo do olho, ainda que por tão pouco tempo, para a porta agora fechada e então virar-se e partir.
                Os corredores são maltratados. Os corredores são, por definição, maltratados. Os quartos sempre ficam com a glória, sempre são cenários de história, diálogos marcantes de livros, clímax, anticlímax, finais. Metade de um romance em chave se dá em quartos, o escritor médio-amador usa quartos como lugares seguros onde se expõe o introspectivo.
                Acendeu-o.
                Mal pôde vê-lo chegar, apenas sentir seu ombro agora tocado, puxado com força. Ao virar-se pôde sentir um punho esmagar sua face, rasgar a pele que adornava sua bochecha esquerda, quebrar seu nariz e desperdiçar seu sangue. Talvez tenha sido mais violento, o impacto do ombro direito ao chão, mas ao menos teve tempo para rastejar para trás e recobrar o equilíbrio e também a visão. Ainda turva, pôde discernir sombras e aos poucos formas e viu seu rosto – Dmitri, um cigarro nos lábios, com um sorriso cínico. Sussurrou, com a boca imóvel, “Isso é por dormir com a Vanessa.”, deu as costas e foi embora.
                Rua cheia, comércio cheio, céu cheio: o céu aos poucos se abria, mas infelizmente o Sol já não brilhava tanto. Gente chata com jeitos chatos e caras chatas, borradas e sujas, tão impessoais e cínicas, obedecendo a seu propósito. Nas ruas, poucos corações, sempre em trânsito, sempre se deseja estar em outro lugar, sempre. Nas calçadas, gente diversa, ninguém igual a ninguém, mas todos iguais e todo lugar é o mesmo lugar.
                Tragou-o e tomou-o entre os dedos – em momento algum lhe passou pela cabeça olhar para trás.

terça-feira, 17 de abril de 2012

As noites e a Tristeza

Quando foi teu o meu primeiro olhar e você sorriu, eu mal consegui sustentar os pensamentos em ordem, e você sorriu e tive de desviar meus olhos, e você rodou e não pude deixar de te olhar. Olhos e olhos, olhos nos olhos e luzes de festa que pingavam entre a escuridão e tantos rostos que perdiam suas graças ao abandonar suas purezas, quando bocas rasgavam caras de uma orelha à outra de uma forma tão obscena e muitos desses sorrisos feios e frios eram destinados a você, sorriam ao ver sua forma sem pudor e, bem, você não tem pudor. Não tem, não tem pudor.

Mas não me importei muito. Não me importava em saber que você olhava pra tantos olhos como olhava os meus, não me importava em saber que suas mãos tocavam os corpos de tantos como o meu, e não me importava em saber que você se deitava com tantos quantos você pudesse, pois quando se deitava comigo, eu era seu. Não, nem nesse momento você era minha, mas eu ficava feliz em saber que eu era seu. Nunca pude ser de ninguém, nunca me doei a ninguém e tampouco me doei a você, mas você me roubava – roubava cada minuto, roubava cada centavo, roubava cada suspiro, roubava cada gozada.

À beira da cama, cigarro entre os dedos e você do outro lado, eu queria sair e não voltar, mas você me beijava sem eu querer em você encostar. Roubava-me um beijo. Perguntava-me se voltaria na semana seguinte e eu não respondia, mas você sabia. Sorria. E a cada sorriso uma nova conquista em mim, a cada sorriso um novo eu se rendia à mesma você. E você levantava e ia. E eu terminava meu cigarro. E olhava para a porta. E então para a maçaneta. E me levantava. E finalmente ia.

E pensar que eu ria de Kerouac. Às vezes a vida é pura tristessa.