quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Insistindo no quê?

Nem eu sei.

Surdo em cinema-mudo

E as cenas se repetem como fariam normalmente, não fosse o clima – chovia quase todo dia, embora no meu quarto não houvesse janelas. Pinto belos quadrados azuis levemente mal alinhados e borrados de branco – quanto mais lá no alto, melhor – e me engano dizendo que o tempo está bonito, mas as goteiras que escapam da infiltração no teto cismam em denunciar o tempo ruim que está fazendo. Minhas plantas morreram, não sei por que: rego-as com carinho e cuidado e deixo-as expostas ao meu sol particular, meu abajur – tão lindo, ele –, mas eis que elas morrem e não entendo – estão tão pretas, tão caídas, tão apáticas e contrastam com a luz que divide um cantinho da parede com elas. Espero por um arco-íris, mas ele não vem e eu fico só, no meu quarto, no meu mundo, na minha micro-esfera, na minha.

Às vezes esqueço-me da porta e uma visita me surpreende – minha reclusão resultou numa sombria incapacidade, talvez inabilidade de falar: algo como uma atrofia nas cordas vocais, ou um bloqueio mental, uma timidez exacerbada – e sinto-me desqualificado, um peixe fora d’água. Exceto com Ela, com quem não falo: Ela vem, invade meu mundo para me ignorar – olha através da minha janela falsa, se protege da chuva que a banheira do andar de cima e o mau estado do prédio produzem, faz de tudo para não ver o arco-íris que não está lá – e, sem motivo, continua a me ver, a me tocar quando durmo, a me observar aos sonhos que me afligem tanto quanto os pesadelos. Mas só Ela me faz bem. Só com Ela me sinto aceito, apesar d’Ela não me aceitar – com Ela, me sinto um surdo num cinema mudo e eu finalmente entendo. E as cenas se repetem como fariam normalmente, se não fosse a platéia.